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Se fosse possível transferir aos gramados as virtudes que exibiram nas pistas, Emerson Fittipaldi, Nelson Piquet e Ayrton Senna certamente estariam na seleção dos melhores futebolistas de todos os tempos. Mas, em quais posições jogariam? Em meu modesto conceito, Emerson seria um camisa oito. Sim, um segundo volante! Isso porque não apenas sabia defender com enorme qualidade – Al Unser Jr. provou disso nas 500 Milhas de Indianápolis de 1989; atacava com consistência. Fittipaldi seria ainda, disparado, a figura mais influente do time. Sujeito ideal para ostentar o posto de capitão da equipe.
E Ayrton? Ah… Esse seria o centroavante! Camisa nove! Goleador implacável, fenomenal, dono de recordes. E extremamente habilidoso. Desses que nos concedem aquela impressão de que fazer um gol após driblar a alguns adversários, inclusive ao goleiro, é fácil. Por sinal, quando a situação apertasse em algum jogo, não teria o menor pudor em berrar, do banco de reservas, aos meus comandados: “Passa a bola pro Ayrton. Ele resolve!”.
Já Nelson Piquet… Bem, esse seria o meia-de-ligação desse timaço.
Frio e extremamente técnico, Piquet, contudo, não desperdiçava chances para arriscar belos dribles – o próprio Ayrton Senna provou disso no GP da Hungria de 1986. Inteligente, tirava vantagem dos profundos conhecimentos técnicos de sua atividade. Aliás, era craque até na arte de catimbar! Marrento, como alguns dos grandes camisas dez do futebol.
Tais características de Nelson Piquet foram fundamentais para superar dificuldades e faturar o tricampeonato de Fórmula-1, em 1987.
Dois golpes na Williams
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Embora tivesse em mãos o carro mais competitivo do grid e fosse apontado como um dos grandes candidatos ao título da temporada 1987, Piquet sofrera dois golpes consideráveis. O primeiro ocorreu ainda no ano anterior, quando estreou pela escuderia inglesa. Grande responsável por sua contratação, Frank Williams, ficou paraplégico após um acidente automobilístico, sofrido em uma estrada francesa, em março. Em recuperação, ausentou-se de várias corridas. Patrick Head assumiu o controle do time. E Nigel Mansell cresceu dentro da equipe.
O segundo golpe sobre Piquet veio em 1º de maio de 1987, uma sexta-feira. Durante treino livre à segunda corrida daquele ano, em Ímola, sofreu um dos piores acidentes da carreira. Após um dos pneus de seu Williams esvaziar, o futuro tricampeão bateu o carro a 280 km/h no muro da Tamburello. A pancada só não foi mais devastadora porque Nelson fez o carro rodar, batendo lateralmente. O brasileiro sofreu concussão cerebral, além de ferimentos no tórax, nas pernas e no pé esquerdo.
Após uma noite no hospital, Piquet até tentou convencer o médico-chefe da FIA, Dr. Sid Watkins, a deixa-lo correr. Contudo, Watkins vetou. E fez uma pequena observação: “Há duas razões para você estar com sapato apenas no pé direito”, disse. “Ou seu pé esquerdo ainda dói, ou você ainda está grogue e não se lembrou de calçá-lo”.
Piquet, de fato, não correu. Porém houve algo ainda pior que assistir a vitória do desafeto Mansell no domingo: uma série de sequelas por conta do acidente. Entre as quais, uma perda considerável do senso visual de profundidade. Quando voltou às pistas, guiava ansioso. Definia o ponto de freada baseado naquelas placas que antecedem as curvas. Algo que, até então, jamais havia feito na carreira. “Tinha dificuldades para atingir meu limite”, afirmou.
Mas, ainda assim, Piquet ainda batia um bolão… E as adversidades foram compensadas com conhecimento técnico refinado, regularidade e malandragem. Muita malandragem.
O principal alvo do brasileiro, claro, era seu companheiro de Williams, Nigel Mansell.
“(Mansell era) um cara que caía em todas as armadilhas”, definiu Piquet em matéria à edição número 70 da Revista Racing, publicada em junho de 2001. “O melhor cara que já existiu para a gente desestabilizar. Crianção, reclamão, choramingão e com um conhecimento técnico curtinho”.
De fato, o embate psicológico entre Piquet e Mansell existia desde 1986 – aliás, esse período reservou tantas histórias que prometo contar algumas delas em um dos próximos textos. Contudo, para 1987, o brasileiro muniu-se com doses ainda maiores de sarcasmo, para cutucar as atitudes do Leão. Dentro e fora das pistas. Além disso, Nelson passou a trabalhar praticamente sozinho. Desse modo, evitaria que os acertos de seu carro fossem transferidos ao do inglês.
Bem além da catimba…
Afirmar que Piquet conquistou o tri em 1987 apenas por tirar Mansell do sério, no entanto, seria estupidez. Naquele ano, o brasileiro mostrou uma regularidade impressionante nas pistas. Embora não tenha completado o GP da Bélgica, primeiro que disputou após o acidente em Ímola, Nelson recebeu a quadriculada nas 11 corridas seguintes. Feito notável em uma época onde abandonos por problemas mecânicos nos monopostos, sobretudo no motor, eram bem mais comuns que atualmente.
Mais que terminar 11 provas, Piquet pontuou em todas. Foram nada menos que dez pódios: um terceiro, seis segundos e três primeiros lugares. Tudo bem… Nigel Mansell venceu mais Grandes Prêmios no período: cinco. Entretanto, pontuou em apenas outras duas ocasiões, com terceiro e quinto postos. Acumulou quatro abandonos.
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O momento mais simbólico para Nelson na temporada 1987 ocorreu, sem dúvidas, na 11ª etapa, em Monza. Pela primeira vez, um carro da Williams contava com o sistema de suspensão ativa. Tal peça dividia opiniões entre os pilotos do time inglês. Enquanto Mansell não demonstrava interesse pela novidade, o brasileiro adorava a ideia. Não à toa, ajudou no desenvolvimento do aparato, com mais de 7.500 km em testes ao longo do ano. Resultado: Piquet venceu a prova italiana, 49 segundos à frente do Leão, que corria sem suspensão ativa e ficou em terceiro. Entre eles, Ayrton Senna, a bordo de um Lotus-Honda equipado pela peça.
Apesar da evidente melhora no rendimento do carro, a Williams não voltou a usar suspensão ativa naquele ano. Embora parecesse uma manobra para prejudicar ao brasileiro, tal atitude torna-se compreensível ao levar em conta que a superioridade dos monopostos do time britânico aos rivais já era considerável. E se o carro fica pelo caminho por conta de algum problema nessa bendita suspensão?
Bem além desse episódio, àquela altura, o placar já era bastante favorável a Piquet. Restava apenas administrar a vantagem, tocar a bola com paciência e esperar pelo apito final. Silvo que veio na penúltima etapa de 1987, no Japão. Prova que, ironicamente, Mansell não participou, por conta de um forte acidente durante um treino. Aliás, há “quem” afirme que Mansell ausentou-se por opção, pois fora liberado pelo Dr. Sid Watkins para correr…
Piquet fez um golaço em 1987. Indiscutivelmente. Aliás, não tenho a menor dúvida que o tricampeão sentiu-se como um jogador que comemora seu gol com o dedo indicador em riste, próximo à boca. Para silenciar a torcida adversária.