Vale a leitura da matéria do jornal Valor Econômico de ontem, assinada por Glauco Lucena. Ela dá um panorama muito interessante sobre o mercado brasileiro de automóveis para os próximos anos.
O BMW X1, crossover que poderá ser montado aqui em sistema CKD pela marca alemã – BMW/Divulgação |
Falar em maior variedade de carros nas lojas parece estranho quando já se tem mais de 40 marcas atuando no mercado brasileiro. E, mesmo nesse cenário, apostar em preços mais acessíveis costuma soar como velha utopia. Pois o que acontece é que esses dois fenômenos têm boas chances de acontecer, graças ao segundo grande ciclo de investimentos em fábricas de automóveis – que começa neste ano e deve avançar até a metade desta década.
O desembolso total em novas fábricas é estimado em aproximadamente R$ 10 bilhões (não inclui expansões). Tamanho volume não era visto desde meados dos anos 90, quando diversas marcas se instalaram no Brasil – e as que aqui estavam se viram obrigadas a ampliar sua capacidade produtiva. Nesse período, foram inauguradas as fábricas da Toyota em Indaiatuba (SP), Honda em Sumaré (SP), Peugeot-Citroën em Porto Real (RJ), Renault-Nissan em São José dos Pinhais (PR), Mitsubishi em Catalão (GO) e Mercedes-Benz em Juiz de Fora (MG). Na mesma época, a Volkswagen ergueu uma unidade no Paraná; a Ford, na Bahia; e a GM, no Rio Grande do Sul. Enquanto isso, a Fiat ampliava suas linhas de montagem em Minas Gerais.
Quase 20 anos depois, após vários momentos de crise, o mercado brasileiro vem batendo seguidos recordes de produção e vendas e passou a ser um dos poucos no mundo com capacidade de expansão, ao lado de China, Índia e Rússia. O novo ciclo pode não ser tão grandioso como o dos anos 90, mas mostra uma luta aguerrida por aumento de participação de mercado no Brasil, ou, no caso das quatro montadoras que mais vendem (Fiat, VW, GM e Ford), uma tentativa de minimizar as inevitáveis perdas de fatia no bolo.
“Essas quatro marcas, que tinham quase 100% nos anos 80, caíram para 80% nos anos 90 e hoje têm 70%”, diz João Carlos Rodrigues, diretor-presidente da consultoria Jato Brasil, especializada em indústria automobilística global. “A médio prazo, devem chegar a 60%. Em nenhum mercado do mundo as quatro líderes, sejam que marcas forem, concentram mais de 50% das vendas”
Coreanos e japoneses
A nova rodada de inaugurações começa no segundo semestre deste ano, com as inaugurações de duas fábricas quase vizinhas: a da coreana Hyundai em Piracicaba (SP) e a da japonesa Toyota em Sorocaba (SP). Elas também têm em comum o mix de produtos – modelos compactos, bem equipados e com uma promessa geral de preços bastante competitivos.
A chegada da coreana Hyundai como fabricante traz ao país uma das marcas que mais crescem no mundo, conhecida pela agressividade estratégica e pela rápida evolução de seus produtos. Será a primeira fábrica de uma marca coreana no Brasil. Seu importador, o grupo Caoa, mantém uma linha de montagem em CKD (as peças vêm desmontadas de fora) em Anápolis (GO), de onde saem o jipe Tucson e a caminhonete HR, mas o investimento é todo nacional. Em Piracicaba, é 100% coreano.
A unidade terá capacidade para produzir 150 mil veículos por ano. Seu primeiro fruto será um hatch com preço na faixa do líder de mercado, o VW Gol. O nome do carro ainda não foi definido, mas o “Projeto HB” foi feito especificamente para o mercado brasileiro. O modelo terá motor 1.0 ou 1.6 flex, desenho arrojado e pacote de equipamentos generoso, até com opção de câmbio automático. No ano que vem, a mesma plataforma dará origem a um sedã compacto e, em 2014, a um jipinho ao estilo do Ford EcoSport. Ou seja, a Hyundai mira nos segmentos de maior volume do mercado brasileiro.
Toyota Etios – Toyota/Divulgação |
A Toyota, que hoje produz por aqui apenas o sedã Corolla, vai centrar fogo pela primeira vez na base do mercado. O modelo a ser fabricado em Sorocaba é o Etios, nas versões hatch e sedã. Projetado para a Índia e outros países da Ásia, o Etios não é tão estiloso como o modelo da Hyundai, mas promete ser mais espaçoso, além de contar com a famosa confiabilidade dos carros japoneses.
O sedã da Toyota entrará na seara dos carros que são “compactos-mas-nem-tanto”, inaugurada pelo Renault Logan e imitada por Chevrolet Cobalt e Nissan Versa. O hatch também promete bom espaço interno. A nova unidade fabril terá capacidade para 70 mil unidades por ano. A estreia dos modelos feitos no interior paulista terá como palco o Salão do Automóvel de São Paulo, em outubro.
Essas duas fábricas serão as primeiras de uma série programada para os próximos anos. Outra japonesa, a Nissan, anunciou no ano passado que fará uma nova planta em Resende (RJ), onde serão produzidos inicialmente os compactos March e Versa, hoje importados do México. A capacidade da planta será de 200 mil unidades anuais. Sua conterrânea Suzuki terá uma operação bem mais modesta em Itumbiara (GO), para produção do jipinho Jimny em 2013 (7 mil unidades por ano).
Chineses
Outra grande onda de investimentos virá de marcas chinesas. A Chery já ergue sua fábrica em Jacareí (SP), onde será produzido inicialmente o compacto S-18, a partir de 2013. A capacidade será superior a 150 mil unidades por ano.
Sua rival de origem chinesa, a JAC Motors, escolheu Camaçari (BA), com 80% de capital de seu importador brasileiro, o Grupo SHC. As obras começam em maio e a capacidade será de 100 mil unidades por ano. Os modelos serão a próxima geração do hatch J3 e do sedã J3 Turin.
O coreano SsangYong Korando – SsangYong/Divulgação |
No mês passado, a empresa Brasil Montadora, que representa as marcas chinesas Changan (ex-Chana) e Haima, além da coreana SsangYong, anunciou a construção de uma fábrica em Linhares (ES), com inauguração prevista para 2014. A capacidade anual será de 10 mil unidades e os modelos em estudo são utilitários chineses e o jipe coreano Korando.
Outras marcas
Nos bastidores da indústria automotiva, muita gente aposta que as próximas marcas asiáticas a tentar a sorte no Brasil como fabricantes são a indiana Tata e a coreana Kia Motors.
A segunda rodada de investimentos das montadoras não alcança somente os modelos “populares”. Para quem espera opções mais luxuosas, a grande expectativa no fim de março era em relação ao anúncio da primeira fábrica da BMW em solo brasileiro, no sistema CKD. O compacto premium Série 1 e o jipinho X1 são os modelos mais cotados para ganhar cidadania brasileira. O anúncio só não havia saído antes por causa do recente aumento do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para carros importados, que irritou os executivos alemães da BMW.
Sua grande rival, a Mercedes-Benz, também sinaliza que voltará a produzir carros de passeio, provavelmente em Juiz de Fora (MG), onde hoje são feitos apenas caminhões. De lá saía o modelo Classe A, que não fez sucesso por aqui. Nos planos estão um sedã ou um crossover derivado da nova geração do Classe A, apresentada em março em Genebra.
Essa segunda invasão de “newcomers” preocupa as quatro marcas de maior tradição no Brasil. Mas elas não assistirão passivamente a esse movimento. A Fiat foi a primeira a anunciar uma nova fábrica, a ser erguida em Goiana (PE). O objetivo: fazer um modelo menor que o novo Uno para aposentar o Mille em 2014.
O pequeno Volkswagen Up! chega em 2014 com a promessa de ser mais barato que o Gol – Volkswagen/Divulgação |
No fim de março, a Volkswagen ainda avaliava a hipótese de construir uma fábrica para um modelo menor que o Gol (o Up!) ou aproveitar as três que já tem no país. A Ford não terá nova fábrica, mas investe nas plantas do ABC paulista e de Camaçari (BA) para produzir o substituto do Ka e o New Fiesta, hoje importado. Ambos chegam ao mercado até 2013. A GM, que ainda se ressente da crise da matriz, está focada em renovar toda a sua linha de produtos até o ano que vem.
Para Rodrigues, da Jato Brasil, é preciso aguardar as estratégias de cada marca para saber se os preços serão mesmo pressionados para baixo. “De qualquer forma, essa concorrência já impede que as montadoras reajustem valores, mesmo quando o modelo tem mudanças radicais de estilo ou mecânica.”