A indústria automobilística completou dia 28/6 a produção de 20 milhões de veículos equipados com motores flex no uso de etanol e gasolina. Esse marco foi anunciado pelo presidente da Anfavea, Luiz Moan, durante a Ethanol Summit 2013, conferência de cúpula internacional sobre o setor sucroenergético. É organizada pela Unica (União da Indústria de Cana-de-Açúcar), a cada dois anos, e está na quarta edição.
Uma das tecnologias em que a engenharia brasileira mais avançou, nos últimos tempos, foi a de motores simplificadamente chamados de flex. A primeira experiência no Brasil teve início em 1993, mas não prosperou. O primeiro carro, um VW Gol, surgiu em março de 2003 com motor de 1.6 litro. Passou-se, de novo, uma década e a trajetória alcançada foi realmente impressionante.
Os números são grandiosos: a oferta cobre mais de 90% dos modelos à venda, inclusive importados; a frota circulante de veículos leves equipados com motores flex corresponde a quase 60% do total e pode chegar a 80% em menos de cinco anos.
Como o Brasil se tornou o quarto maior comprador mundial de veículos, atrás apenas da China, EUA e Japão, o interesse em conhecer mais sobre o etanol ultrapassou as nossas fronteiras. Marcas da China, Coreia do Sul e México passaram a desenvolver no exterior motores específicos para equipar os carros exportados para cá. A oferta total de motores flex disponíveis no mercado brasileiro, atualmente, atinge mais de 200 modelos, de 15 marcas, entre nacionais e importados.
Ao longo de uma década de desenvolvimento tecnológico estes motores se mostraram confiáveis e robustos, fruto da especialização que engenheiros brasileiros adquiriram no desenvolvimento das unidades a etanol puro, no final dos anos 1970 e durante os anos 1980. Desafios foram grandes, em especial para manter o funcionamento equilibrado entre os dois combustíveis.
Depois da primeira geração, surgiram outras três: aumento de taxa de compressão, maior capacidade de gerenciamento eletrônico e dispensa de uso de gasolina nas partidas em dias mais frios. Criaram-se alguns mitos em torno dos flex. No entanto, foram superados ou não passavam mesmo de lendas.
Apesar do bom estágio atual dos motores, há grandes evoluções que surgirão nos próximos anos. Decisiva será a adoção da injeção direta de combustível, já disseminada para gasolina no exterior. Na Europa, fornecedores têm tudo pronto para o combustível E85 (85% de etanol anidro e 15% de gasolina). Surgiram dúvidas sobre a adaptação ao biocombustível brasileiro, o E100 hidratado puro. Na realidade, tanto fabricantes de componentes como de automóveis já têm soluções em vista e nos próximos dois ou três anos novos motores poderão ser lançados.
Maior avanço, porém, acontecerá ao combinar injeção direta e turbocompressor. Especificamente para o etanol o salto será relevante, por aproveitar melhor que a gasolina esses dois recursos. Com ajuda da eletrônica, pode-se ajustar a equação consumo/desempenho de tal forma a melhorar a atual relação de competitividade entre os preços dos dois combustíveis. Significa que mesmo que o combustível vegetal custe 75% do preço da gasolina, ainda será viável sua escolha na hora de abastecer. Hoje, referência é de 70%.
De início, o custo de um motor flex com tecnologia mais sofisticada pode ser um tanto alto. Mas a tendência será de redução pelo aumento das escalas e incentivos fiscais já previstos no novo regime automobilístico Inovar-Auto, que estará em vigor no período 2013-2017.
Nos últimos três anos, uma série de acontecimentos ligados à crise financeira internacional iniciada em 2008, fatores climáticos que afetaram a produção de cana-de-açúcar e ao desequilíbrio entre os preços relativos de etanol e gasolina – assuntos amplamente discutidos durante a Ethanol Summit 2013 – diminuíram a demanda pelo combustível verde.
Entretanto, a Unica, maior organização representativa do setor de bioetanol e açúcar do Brasil, fundada em 1997 no estado de São Paulo, criou uma campanha institucional inédita de valorização do combustível visando ao consumidor final.
Iniciada em novembro do ano passado e replicada este ano os proprietários de automóveis receberam mensagens positivas e bem-humoradas. Destacou-se a importância do etanol para a preservação do meio ambiente, redução das emissões de gás carbônico responsável pelo efeito estufa e consequente mudanças climáticas, melhoria da qualidade do ar nas cidades e aumento do desempenho dos motores.
Um século de história
Flexibilidade de abastecer o mesmo tanque com combustível de origem vegetal ou fóssil remonta ao início do século passado, por volta de 1910. O emblemático Ford modelo T, que popularizou os automóveis nos EUA e no mundo, podia usar um ou outro combustível. Em seguida o preço da gasolina caiu e, por essa razão, a experiência não prosseguiu.
Essa tecnologia ressurgiu ainda nos EUA, no início dos anos 1980, com metanol/gasolina e, inicialmente, sem flexibilidade total: não admitia mistura em qualquer proporção entre os combustíveis. O estímulo veio do governo americano. A ideia foi permitir que a produção de automóveis com motor flex compensasse, em parte, a de motores a gasolina de alta potência e consumo. De 1985 a 1992, fabricaram-se apenas 705 unidades para testes no Estado da Califórnia e também no Canadá. Produção seriada de motores E85/gasolina começou em 1996.
Hoje, os EUA produzem cerca de 900.000 unidades anuais de automóveis e comerciais leves flexíveis; o Brasil, 3,5 milhões. A frota brasileira de veículos com estes motores, atualmente, é duas vezes maior que a americana, embora a fabricação aqui tenha começado sete anos depois.
Torna-se necessário, no entanto, valorizar a importância histórica do Proálcool, lançado pelo governo federal em 1975. Foi o maior programa de combustível alternativo já implantado em um país. Em julho de 1979, o primeiro carro a etanol puro, um Fiat 147, recebeu homologação oficial. Ao longo dos anos 1980, motores abastecidos unicamente a etanol chegaram a representar mais de 90% dos modelos vendidos no Brasil. Produziram-se mais de cinco milhões de unidades até 1995.